Eu fico feliz por Buenos Aires

Torcedores argentinos recepcionando a chegada da seleção após o tricampeonato no Qatar. Fonte: BBC Sports

Buenos Aires virou palco de uma celebração nacional após a conquista do tri da Copa do Mundo no Qatar. Os jogadores argentinos chegaram com status de heróis nacionais por um povo que se identifica com a sua seleção albiceleste. Logo entendo porque temos brasileiros que torcem por Scaloni…

Uma Europa esquecida no cone sul

Ontem, os jornais brasileiros estamparam como manchete de primeira página a frase do presidente argentino Alberto Fernandez onde dizia que os brasileiros vieram da selva. O desastre diplomático começou citando o cantor de rock local Litto Nebbia que tem uma música cujo o verso era Os mexicanos vieram dos Índios, Brasileiros da selva e os argentinos vieram dos barcos da europa. A letra se completa com Nebbia dizendo que desejava cantar um samba, mas isso foi esquecido pela polêmica.

A identidade argentina foi forjada por ondas de imigração do continente europeu mesmo com a população indígena sendo relegada a um papel menor. Os políticos argentinos sentiram o golpe com os revezes histórico como o peronismo e os golpes militares junto com a eterna crise econômica. A população se sentia integrada a Europa pelo fato de terem acesso a eventos esportivos como a Formula 1 por meio de pilotos Juan Manuel Fangio e Carlos Reutteman e pela equipe de rugby conhecida como Los Pumas.

Mas Buenos Aires sentiu tal golpe em 1982 quando foi derrotada na Guerra das Malvinas em um gesto tresloucado do general-presidente Leopoldo Galtieri ao invadir o arquipélago britânico de Falklands devido aos cortes de gastos no orçamento militar de Londres. Porém, não esperavam a determinação da primeira-ministra britânica Margaret Thatcher em retomar o controle com uma força militar que foi capaz de esmagar a bravura dos recrutas argentinos nos dias de 1982.

A inflação econômica e a crise da dívida externa com as eternas negociações com o FMI criaram um senso de decepção ao mesmo tempo que craques do futebol como Messi e Maradona davam alegrias a uma nação tão complicada em seus tangos internos. Fernandez citou o Brasil pelo fato do país do samba e da miscigenação foi capaz de superar Bueno Aires por meio de reformas econômicas como o Plano Real e criou um senso de sobrevivência em meio ao caos contemporâneo.

Os argentinos tinham orgulho de sua pátria no começo do século 20 por ter um salto econômico por meio de exportações de cereais que financiaram o desenvolvimento social da nação. Porém, logo entendemos porque os hermanos não tiveram um ciclo de expansão econômica como os brasileiros viveram entre 1930 a 1980 que encerrou-se com a crise da dívida externa de 1981. Buenos Aires ainda pensa ser uma Europa esquecida do Cone Sul como na letras de Litto Nebbia.

No Más

Ontem, o presidente americano Barack Obama disse a frase “no más” durante uma visita a praça da memória em Buenos Aires. A viagem de Obama para a Argentina tem um simbolismo carregado. Na quinta-feira passada, os argentinos se lembraram dos 40 anos do golpe militar de 1976 que permitiu a ascensão do general Jorge Rafael Videla e colocou o país em um período tenebroso em sua história.

A frase No Más significa Nunca mais em uma tradução literal. Mas o simbolismo de tais palavras vem do fato de serem ditas durante o julgamento de Videla e seus colaboradores em 1985. A frase foi dita pelo promotor Júlio César Strassera tão logo terminou seus trabalhos no tribunal. Era uma fala que representou a vontade dos argentinos.

Mas os longos 7 anos de um regime autoritário não são fáceis de serem esquecidos. Obama iria visitar um dos centros de tortura no período militar. A temida escola de marinha mecânica. Mas o roteiro foi mudado porque causaria uma onda de protestos que envolvem a participação dos Estados Unidos dando-lhe apoio aos generais-presidentes argentinos.

Obama lembrou aos argentinos a dura oposição feita pelo então presidente democrata Jimmy Carter, que defendia os direitos humanos de forma ferrenha e questionava as atitudes tomadas pela ditadura militar na Argentina. Mas o próprio Obama reconheceu que os Estados Unidos demorou para esboçar uma reação a este triste período da história argentina.

Mas a frase de Strassera mostra um vigor nunca antes visto na história argentina. Mesmo com a revogação das leis de anistia promulgadas para evitar um conflito aberto entre civis e militares nos anos 1980. As palavras do promotor mostraram ser importantes e ganharam o apoio popular por resumir um momento de lutar pela democracia contra o autoritarismo.

 

A vitória de Macri

Há poucos minutos, a Argentina viu mais um capítulo de sua história. O ex-prefeito de Buenos Aires, Mauricio Macri foi eleito presidente do país com 53% dos votos contra 47% de seu rival peronista Daniel Scioli. Mas o que significa a volta do anti-peronismo personificado em um líder que se apresentou como aquele que irá mudar a Argentina.

Macri já lidou com as emoções do povo tanto como presidente do Boca Juniors quanto prefeito de Buenos Aires. Ele sempre desejou ser presidente, mas tinha que esperar o tempo certo. Assim formou uma coalizão entre o conservador PRO e o radicalismo representado pela União Cívica Radical (UCR) para derrotar o peronismo.

Mas sempre existe uma maldição onde um presidente não-peronista não consegue terminar o mandato como aconteceu com os radicalistas Héctor Campora e Fernando De La Rua; que sucumbiram ao cenário de crise econômica e uma pressão entre os militares e os peronistas desde da volta de Perón em 1973 até a hiperinflação de Raúl Alfonsin em 1989.

Macri já prometeu abrir a economia argentina no mercado internacional e acabar o controle cambial imposto pelo governo da presidente Cristina Kirchner. Uma prova disso é que ele pretende visitar Brasília nos próximos dias para tratar da proposta de acordo de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia além das tarifas aduaneiras sobre o comércio de carros entre ambos os países.

Um temor sobre Macri é que ele tenha uma relação complicada com a Venezuela dada a sua postura de defender os direitos humanos. Os venezuelanos vão as urnas em dezembro para a escolha de um novo parlamento. Mas até lá, os argentinos podem ter começado mais um efeito-dominó na geopolítica sul-americana com a vitória de Mauricio Macri.

Entre Scioli e Macri

Há poucos instantes, se encerrou o primeiro debate presidencial no segundo turno das eleições presidenciais na Argentina. O conservador Mauricio Macri e o peronista Daniel Scioli discutiram temas caros a sociedade argentina como educação, economia e políticas sociais. Mas o que vimos foi uma ampla discussão sobre o legado Kirchnerista contra o desastre do neoliberalismo nos anos 1990 para tentar alcançar o eleitor portenho.

Scioli defendeu sua administração como governador da província de Buenos Aires enquanto Macri falou de sua gestão como prefeito da cidade de Buenos Aires. Essa longa discussão sobre o futuro da Argentina focou-se sobre o trabalho de ambos como administradores de uma região populosa e que concentra 70% da população argentina e tem fundamental importância para as pretensões eleitorais de ambos os candidatos.

Macri citou a sua proposta de uma ampla agenda de integração entre o norte do país com o resto do território nacional. Scioli defendeu sua ideia de não fazer um ajuste fiscal que possa sacrificar a renda dos argentinos. A economia foi alvo de acaloradas discussões entre Mauricio e Daniel por adotarem propostas controversas e impopulares para sanar os problemas econômicos que o país sofre como a dolarização do peso e a inflação.

Ambos os candidatos não tocaram em pontos importantes no quesito fortalecimento da democracia. O controverso memorando com o Irã para se ter uma colaboração de ambos os países na investigação do atentado terrorista a Amia em 1994 ou sobre o futuro da disputa pelo controle da Ilhas Malvinas (arquipélago que é uma colônia do Reino Unido e foi alvo de uma guerra entre os dois países em 1982 com a vitória britânica) não foram citados.

A eleição presidencial na Argentina vive um momento decisivo com a liderança de Macri nas pesquisas de intenção de voto nos últimos dias. Scioli tentou colar a imagem neoliberal no candidato de oposição ao kirchnerismo. O debate foi importante por esclarecer os pontos obscuros de ambos os candidatos. A votação de domingo que vem pode tanto gerar uma onda de mudança representada por Macri quanto a volta do peronismo tradicional personificada por Scioli. Veremos no dia 22 de novembro sobre qual caminho foi escolhido.