As democracias de Tel Aviv e Istambul

Um final de semana no Oriente Médio onde sempre vemos a espiral da violência junto com as ditaduras e os regimes autoritários. Porém, devemos repensar nisso quando vemos protestos pedindo a convocação de eleições antecipadas em Israel pelas famílias dos reféns do 7 de outubro em poder do Hamas onde querem a renúncia de Benjamin Netanyahu ao mesmo tempo na Turquia onde o CHP venceu as eleições municipais em Istambul e Ancara.

A democracia é algo complicado, mas que as pessoas defendem como um progresso dos conflitos sociais serem mediados pela política onde o direito a voto junto com a liberdade de expressão permitem um modo de expressar suas frustrações e anseios quando vamos as urnas para depositar uma cédula com a nossa preferência. Não há solução fora do jogo político onde trocamos os governos em uma alternância de poder.

Israel e Turquia sempre foram as únicas democracias no Oriente Médio por mais que tinham conflitos internos como os golpes militares em Istambul quando um governante saia da linha ou o nacionalismo crescente alimentado por medos e traumas tão comuns em Tel Aviv. Nós nos perguntamos porque outras nações perderam o bonde da história na volta dos ditadores como na Tunísia e no Egito na ressaca política e econômica da Primavera Árabe.

Em Istambul, o CHP reelegeu o prefeito Eskem Imamoglu como uma demonstração de insatisfação com as políticas econômicas do presidente Recep Tayyip Erdogan onde ele desacredita os esforços do banco central e de seu ministro das finanças pra controlar uma inflação de 67% ao mês enquanto Netanyahu não quer largar o osso ao insistir na guerra com o Hamas que criou um isolamento político e diplomático de Tel Aviv.

Hoje, os israelenses vão as ruas enquanto os turcos foram as urnas pra deixar claro que estão insatisfeitos com os homens fortes no comando que não resolvem questões como aceitar um plano de paz ou controlar a inflação respectivamente. O Oriente Médio quer mais democracias que conciliem o direito a voto com liberdade política e recuperação econômica para o povo que comprar um Doner Kebab ou uma refeição koshe.

Assim é a vida em Istambul e Tel Aviv…

A religião não atrapalha?

Em mais uma troca de tweets com a escritora portuguesa. Lá está o debate sobre a religião e sua função de podar os hábitos mundanos e seculares. O debate sobre tal face da sociedade vem sido ditado pelos eventos no Oriente Médio onde a questão de não se ter um credo é visto como pecado junto com as críticas ao islamismo que são tratados como blasfêmia que surgiu na teocracia iraniana nos tempos do Aiatolah Khomeini.

No Oriente Médio pré-1979, se discutia o fato de ter uma conciliação entre a sociedade secular com a presença do islã. Quem começou a separação estado-mesquita foi o pai da Turquia moderna, Mustafa Kemal, conhecido como Ataturk. Uma das medidas que implantou foi o banimento do véu islâmico nas repartições públicas. Isso criou uma cultura livre pra mulheres turcas em grandes centros como Istambul e afins.

Tanto que nos anos 1970, Istambul tinha uma cena amadora de filmes pornôs para atender o mercado europeu. Nos anos 1990, um filme pornô alemão foi rodado na cidade turca com a atriz húngara Anita Rinaldi. Mas como a ascensão de Recep Tayyip Erdogan primeiro como prefeito da metrópole com seu conservadorismo religioso junto com suas atitudes autoritárias. Isso foi repelido aos poucos como os filmes B sobre prisões turcas.

O Irã era uma sociedade mais ocidentalizadas do Oriente Médio por causa do afã modernizador do Xá Raza Pahlavi. O imperador persa tinha uma necessidade de gastar os vastos recursos do petróleo iraniano em projetos e armamentos ocidentais. O Xá queria ter um concorde e era acionista da Mercedes Benz a ponto de pedir um projeto de um jipe de luxo que deu origem a Classe G fabricado na Áustria pela Magna Steyer.

Com a queda do regime em 1979 por causa da doença do Xá e o vácuo de poder deixado pelo fim da monarquia. As canções ocidentais foram substituídas por cânticos religiosos porque a revolta popular foi sequestrada pelos Aiatolás. Isso piorou com a guerra com o Iraque onde o ditador iraquiano Saddam Hussein tinha apoio ocidental com acesso a armamento que as receitas oriundas do petróleo podia pagar a perder de vista.

A religião foi vista como uma forma de correção de rota tanto em Istambul quanto em Teerã. O Ocidente foi visto como um inimigo a ser combatido por sua cultura e suas liberdades. Enfim, os terroristas e os clérigos radicais ainda tem medo de um mundo onde as pessoas perdem o medo de questioná-los como aconteceu em 2022 no Irã onde o véu islâmico ainda é uma forma de controle social e criticá-los é uma blasfêmia….

Alguém em Gaziantep?

Em 1999, a Turquia sofreu um com forte terremoto onde os jornais, revistas e tvs mandaram seus correspondentes como César Tralli representando a Globo no esforço de informar o Brasil sobre o resgate das pessoas dos escombros. Em 2023, outro forte temor atingiu o país e o norte da Síria. O epicentro foram as cidades de Gaziantep e Antakya. Temos jornalistas na região, mas precisamos reforçar nossa presença lá.

Em 2006, a academia sueca concedeu o prêmio Nobel de literatura ao escritor turco Orham Pamuk. Ele sempre foi crítico ao então primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan por sua tentativa de negar a existência do genocídio armênio de 1915 quando a Turquia fazia parte do império otomano na Primeira Guerra Mundial. Sua condecoração fez nos alertar a necessidade de cobrirmos a política turca devido suas tentativas de entrar na União Europeia.

Em 2011, a Turquia era vista como a conciliação entre a democracia e estado laico por uma população majoritariamente islâmica. Mas os índices relacionados a liberdade de expressão e imprensa estavam deteriorando mesmo como Erdogan sendo visto como um novo líder árabe por suas reformas econômicas terem ajudado a região de Gaziantep, que era um novo polo industrial pelo processo iniciado em 2003.

Em 2016, os turcos estavam frustrados com a União Europeia e Erdogan queria mudar o sistema parlamentarista para usar o presidencialismo. Então, os kemalistas tentam um golpe de estado em Ancara. Isso foi evitado dado a coragem do povo turco. Mas serviu como justificativa a um processo de expurgo nacional diante da necessidade do presidente em mostrar força como o homem forte do Oriente Médio.

Em 2023, o terremoto em Gaziantep fez que a imprensa caisse na real sobre os últimos anos de Erdogan. A inflação turca chega ao nivel de 80% ao mês por causa do Erdogonomics onde ele de facto quem decide sobre as taxas básicas de juros. A oposição tem mostrado força ao criticar a ajuda oferecida pelo presidente. Em 14 de maio, teremos eleições para presidente. Mas será que teremos alguém em Gaziantep pra acompanhar….

O que será da história?

Em 1989, com a queda do Muro de Berlim e dos regimes comunistas da Europa Oriental. O historiador americano Francis Fukuyama cunhou a expressão fim da história. Em 2020, acordo de manhã e vejo as notícias sobre o atentado em Nice onde três pessoas morreram ao serem atacadas por um terrorista que usou uma faca para matar.

Ontem, nós discutíamos os novos lockdowns do coronavírus na Europa diante da segunda onda. Hoje, teremos uma longa discussão sobre porque o islamismo não deu certo nas sociedades ocidentais. Então, lembraremos da guerra diplomática entre franceses e turcos por causa da laicidade francesa diante da fé turca.

Ontem, o presidente turco criticou os franceses por publicarem uma charge que fazia pouco caso com sua atividade política. Hoje, o chefe de estado francês está indo a Nice onde pedirá a união dos franceses, mas não sabemos se fará novas críticas ao islamismo por causa do extremismo de poucas almas.

A discussão sobre valores ocidentais contra os preceitos islâmicos parece algo que não se encerra quando um atentado ocorre na Europa ou ataques terrorista tem como objetivo criar um clima de intolerância entre diferentes partes de uma sociedade onde a desconfiança fica evidente ao lermos os jornais e vermos as redes sociais.

Ontem, os executivos da três irmãs das redes sociais falaram sobre a liberdade nas redes sociais no congresso americano onde um senador texano fez duras críticas as políticas anti-notícias falsas. Enfim, Francis Fukuyama terá mais um texto para escrever sobre o enigma de 2020 como fez em 1989.

Os mortos de Ancara

Ontem, mais um atentado terrorista atingiu a capital da Turquia, Ancara. Um carro-bomba matou 37 pessoas e feriu 71 no centro da cidade. A reação do governo turco foi culpar a minoria curda e iniciou uma campanha de bombardeio no norte do Iraque para enfraquecer o grupo terrorista curdo PKK. Mas nenhuma organização assumiu a autoria do atentado em Ancara.

O presidente turco Recep Tayyip Erdogan afirmou em pronunciamento que vai dobrar os joelhos dos terroristas. Este foi o terceiro atentado em Ancara no espaço de tempo de 5 meses. A grande questão é que se adotar o discurso contra os curdos será a solução para conter terrorismo. Mas fica claro que o país tem que lidar com grupos como o próprio PKK e o Daesh.

O processo de paz com os curdos foi solapado por uma vontade megalomaníaca de Erdogan. Sempre que acontece um atentado. O presidente turco acusa a minoria e ainda não age para conter as ameaças do Daesh. Mas isso está criando um amplo debate na Turquia onde a questão da segurança nacional está sendo desvirtuada para censurar a imprensa.

Se nenhum grupo assumiu a autoria do atentado. Temos que ter o trabalho de apurar a história mesmo que o governo anuncie ter preso pessoas envolvidas no ato de forma rápida. Não sabemos a linha de investigação adotada pela polícia turca. Sempre vamos identificar os suspeitos ou terroristas mortos. Mas não temos a certeza sobre a versão oficial.

Quando temos um conflito aberto como entre turcos e os curdos. Uma verdadeira investigação deve ser feita mesmo que a imprensa e a população estejam de mãos atadas. Isso é importante como uma forma de demonstrar respeito a memórias da vítimas e seus familiares que sentiram uma perda. Os mortos de Ancara não devem ser esquecidos pelos próximos meses e anos.