A humanidade quer um terapeuta do canto do sabiá

No documentário da TV Câmara de 2009 sobre a nossa hiperinflação. O jornalista Carlos Alberto Sardenberg relata uma reunião entre os economistas com o presidente José Sarney em 1986 em Carajás onde estaria um cenário do pessimismo com um strike de urubus em suas palavras. Mas Sarney optou por ouvir o canto do sabiá por um cenário mais positivo propondo um plano de desenvolvimento do Brasil em meio aos temores do Plano Cruzado com seu congelamento de preços.

Isso me lembra quando eu vejo nos microblogs as decepções da minha geração com os terapeutas por não ter uma empatia ou estarem de saco cheio. Logo vindo de mim que mais entendo a função dos psicólogos, psicoterapeutas e psiquiatras por causa de ser autista onde eu era uma figurinha carimbada nos consultórios de tais profissionais no serviço público na vida adulta ou na minha infância quando meus pais pagavam as minhas consultas.

Eu vejo que vários amigos meus reclamando dos psiquiatras e dos psicólogos dos planos de saúde por não lhe darem a devida atenção por causa do stress de atender vários pacientes por vídeo chamadas durante a pandemia. Olha que eu tinha o meu psiquiatra no serviço público que a minha mãe não tinha paciência e me olhava e fazia perguntas enquanto nós conversávamos sobre as nossas séries preferidas naquele momento.

Muitas pessoas da minha geração tem uma visão romântica dos terapeutas atenciosos e que acompanham as loucuras deles. Eu pensava assim até deparar com o meu primeiro psiquiatra em 2011 quando me tratava. Ele era um pouco frio comigo. Mas a coisa deslanchou quando começamos a conversar sobre bandas de rock por ele gostar de Led Zeppelin enquanto eu falava do U2 sem ser ter um olhar torto ao lado.

Hoje, estou de volta aos consultórios e sem ter tantas frustrações. Mas eu lido bem com isso porque os terapeutas no serviço público me entendem e os meus sintomas mentais estão controlados há 13 anos no modo um dia de cada vez. Eu encontrei um rumo na minha vida em meio ao strike de urubus e o canto do sabiá que a nossa vida nos mostra no caminho das pedras. Mas não falem disso perto do José Sarney.

Os doentes mentais como eu

Eu tenho uma amiga no Threads que tem uma doença mental e seu psiquiatra passava um monte de remédios sem ao menos lhe falar do diagnóstico. Ela não tinha como arcar com os custos. Foi no SUS e logo foi agendado uma consulta psiquiátrica junto com uma ida a psicóloga porque notaram que a dose era pra deixar dopada invés de melhorar a vida dela. Logo eu fui desejar sorte para que o tratamento tenha êxito.

Eu sei como é dura a vida de um doente mental por estar nisso há 13 anos…

Eu estava perdido no mundo e arredio. Minha mãe soube da abertura de um ambulatório para doentes mentais e marcou uma consulta com um psiquiatra. Aquilo foi um choque para mim por pensar que não tinha nada errado comigo. Após uma longa conversa. Fui a luta pra lidar com isso. Meu primeiro médico deu o diagnóstico de esquizofrenia e passou a medicação. Mas logo lhe pedi um encaminhamento para uma psicóloga.

Era a única forma de não ficar a reboque da medicação. Minha mãe estava preocupada com o fato de justamente estar dopado o dia inteiro como aconteceu ao tomar risperidona que me derrubou pra caramba. Tive que trocar de remédio pra ir a Olanzapina e o Clonazepam. A rotina que durou 12 anos de sempre a dose noturna. Em 2023, a minha psiquiatra cortou o Clonazepam por ver uma estabilidade do meu comportamento.

Mas foram longos anos onde tinha que lidar com o corpo sempre com sono ou ausência de vida. Sem contar com os psiquiatras que eram companheiros ou me faziam perguntas sobre a minha saúde como se fosse uma medicina kafkiana onde a burocracia é a alma do serviço público. Só tive amizade com três médicos sendo que o único que não me olhava na minha cara durou duas consultas porque saiu da unidade onde me trato.

Estou no quinto psiquiatra que uma doutora. Mas não sei se vai me atender porque a consulta foi remanejada. No sistema público. isso indica que terei um novo doutor ou uma nova médica para poder lidar. Estou na segunda psicóloga que uma grande amiga com quem posso falar da minha vida já que a psiquiatria do SUS é um despacho de receituário invés de ter uma curiosidade sobre o paciente e sua agruras.

Essa é a vida de doente mental como eu…

Um tempo sem tarja preta

Eu tenho uma conhecida que trabalha com criação de conteúdo erótico. Ela não está mais postando fotos nuas no antigo Twitter e parou de compartilhar seus vídeos de academia no Instagram. Seu novo estilo low profile, ou seja sem tantas afetações, está dando certo. Mas ela tem que cuidar da doença mental. Sua dose de clonazepam é diária e sei como é por ter tomado tais remédios por 12 anos de forma ininterrupta.

Lembro que em 2014. Eu estava em um grupo de barbudos no facebook quando nos perguntaram o que estávamos fazendo. Eu tinha levantado para assistir o Andrew Marr show, da BBC One. Quando falei que tomava Clonazepam e Olanzapina. Um cara ficou incomodado por que várias pessoas começaram a falar sobre os tarjas pretas que tomavam com prescrição médica. Então, ele mandou a letra afirmando que era contra o glamour do rivotril.

Muita gente naquele momento me perguntavam sobre como ser uma pessoa que toma um tarja preta. Aquilo era normal para mim porque estava controlando uma doença mental como a que possuo no caso Esquizofrenia Refratária. Os meus amigos de teoria junguiana ficavam me questionando sobre isso por ser um normie em uma primeira impressão. Eles tomavam medicamentos com doses mais pesadas do que as minhas.

Uma solução que encontrei foi ter pedido um encaminhamento a uma psicologa por justamente não depender tanto do remédio. Isso me deu uma autoconfiança para prosseguir com tais tratamentos junto com as trocas constantes de psiquiatras no ambulatório de doenças mentais que frequento desde 2011. As doenças mentais não estão mais no estigma de um fardo para toda a vida como eu sempre ouvia nas conversas com pacientes na sala de espera.

A minha conhecida com quem troco tweets ficou feliz por ter conseguido parar de tomar o Clonazepam pelo fato da minha ex-psiquiatra ter retirado tal remédio da minha prescrição por estar com a minha esquizofrenia refratária controlada até o momento. O processo é um dia de cada vez pra lidar melhor com tal realidade. Não fico preocupado após um longo caminho para a minha sanidade mental. Era uma vida na tarja preta.