Marikana

Em 2012, 34 mineiros sul-africanos foram mortos durante um conflito com a polícia na mina de Marikana. Passado quase três anos após o ocorrido. O presidente sul-africano Jacob Zuma divulgou um relatório de uma comissão independente que investigou o massacre e concluiu que uma investigação criminal tem que ser feita. Zuma fez um pronunciamento a nação onde classificou a tragédia como algo horrendo que não tem lugar em uma democracia. As famílias de tais operários ficaram decepcionadas com o resultado.

A questão é a lentidão da justiça sul-africana. Uma comissão apenas recomendar uma investigação criminal invés de pedir um julgamento dos policiais que participaram do ocorrido é uma imensa decepção. Jacob Zuma é um presidente que ainda mantém uma boa taxa de popularidade e um amplo apoio do seu partido, o ANC. Mas ascensão de uma oposição dividida entre o ex-lider da juventude do ANC, Julius Malema e o novo chefe da Democratic Alliance Mmosi Mamane não consegue exigir maiores explicações do presidente.

Quando uma comissão independente não pune os culpados. Isso é um sinal claro de fraqueza das instituições que cria um sistema de dois pesos e duas medidas em uma sociedade cansada de impunidade. Os casos de violência doméstica envolvendo o casal britânico Dewani e o atleta paraolímpico Oscar Pistorius mostram que a justiça sul-africana precisa evoluir dos longos anos de obscurantismo do regime segregacionista Apartheid. Mas isso não feito da noite para o dia em uma democracia nascente como a África do Sul.

A grande questão se mostra como os crimes são julgados na África do Sul pós-Apartheid. Desde dos casos de violência doméstica até os excessos da polícia precisam ser investigados e julgados da maneira justa. A oposição não se pronunciou sobre Marikana como fez uma ampla campanha de esclarecimento do uso de dinheiro publico na reforma da casa de campo do presidente Jacob Zuma no vilarejo de Nkandla. Agora, vemos um silêncio vulgar sobre este caso de abuso policial.

Marikana mostra que as velhas feridas da África do Sul pós-Apartheid estão abertas e não foram cicatrizadas. Por mais que o presidente Jacob Zuma mostre que está ao lado das famílias dos mortos durante a manifestação em 2012. Ainda por cima, teremos uma longa batalha judicial onde os grupos de direitos humanos e a oposição precisam participar como uma forma de fortalecer as instituições sul-africanas para evitar que um simples protesto por melhores salários vire uma carnificina sem culpados.

De Mandela a Zuma

Semana passada, a África do Sul lembrou os 25 anos da libertação de Nelson Mandela em 11 de fevereiro de 1990. Era um domingo ensolarado e que os anos de repressão da minoria africâner desapareceu por uns instantes. Mas passado todo esse tempo, o parlamento sul-africano expulsou os membros do partido EFF após inúmeras questões de ordem sobre o caso da reforma da casa de campo do presidente Jacob Zuma no vilarejo de Nkandla. Tanto que o oposicionista Democratic Alliance pediu aos parlamentares saíram da sessão.

A África do Sul vive um momento de desconfiança sobre a atuação de Jacob Zuma. Seu nome já foi citado em vários processos judiciais tanto em um caso de estupro em 2005 até o envolvimento em um esquema de favorecimento na compra de suprimentos militares em 1999. O partido governista ANC está no poder desde do fim do Apartheid em 1994. Mas a democracia interna da entidade não tem funcionado desde da aposentadoria de Nelson Mandela em 1999 e a crise interna entre Zuma e o ex-presidente Thabo Mbeki.

Mandela saiu da prisão como uma lenda viva. Era um símbolo da resistência contra a tirania do Apartheid. As campanhas anti-apartheid tinham ganhado folego nos anos 1980 com uma ampla adesão popular no mundo inteiro pedindo a libertação de Mandela. Quando o líder da ANC foi libertado em 1990. Os sul-africanos de origem africana choraram de emoção. Era um sinal que a vida deles iria melhorar dado o fato do governo africâner reconhecer a legitimidade de um movimento como o ANC.

Zuma é um filhote deste momento. Mas conduzir a nação arco-íris não tenho sido uma tarefa fácil. Por mais que o ANC tenha uma votação forte nas eleições gerais nos últimos 21 anos. O partido precisa fortalecer a sua democracia interna. Quando a direção do ANC expulsou o líder da juventude ANC, Julius Malema em 2012. Mostrou uma face autoritária no qual Mandela não iria permitir isso. Malema tem uma retórica contra a minoria africâner ou um crítico ferrenho a política econômica sul-africana e fundou o EFF em 2014.

Zuma é um presidente envolto em escândalos e polêmicas. Os próximos anos de governo irão exigir uma maior flexibilidade do ANC para atender as demandas de uma população que sofre com a desigualdade ou com a falta de empregos. Mandela procurou pacificar um país com feridas sociais que pouco cicatrizavam. Este é um momento onde uma simples expulsão de um partido durante uma sessão do parlamento vai exigir um estadista que saiba lidar com as críticas invés de censurar as mesmas.

Nadine Gordimer

Os escritores sempre fazem reflexões sobre a sociedade em seus romances e livros. Isso é um ponto onde eles confrontam o status quo através das palavras simples e honestas. Quem fazia com maestria era a escritora sul-africana Nadine Gordimer, que morreu nesta segunda aos 90 anos.

Nadine conquistou prêmios importantes como o Booker Prize de 1974 e o Nobel de literatura de 1991. Ela sempre fez oposição ao regime segregacionista do Apartheid. Além de ser uma amiga de longa data do ex-presidente sul-africano Nelson Mandela desde dos tempos da prisão de Robben Island.

A escrita de Gordimer era um reflexo sobre a vida sul-africana diante de tanto autoritarismo. Ela queria um país livre e igual para todos aqueles que viviam em condições tanto privilegiadas quanto precárias. Este é um momento onde o escritor faz a diferença dentro de uma sociedade.

Nadine era filha de um judeu lituano que exercia a profissão de ouvires. Ela teve sua primeira história publicada quando tinha 15 anos. Isso a fez ter uma carreira prolífica com 30 romances publicados. Seu último livro foi No Time Like the Present, que foi editado em 2012. A obra conta as memórias dos ativistas anti-apartheid.

Nadine Gordimer nos deixa uma obra lendária e épica que retratou a África do Sul de forma honesta e consciente. Tanto que ela criticou a lei de acesso de informação criada pela ANC porque a mesma voltava aos tempos da censura. Nenhum escritora foi tão corajosa como ela.

A hegemonia do ANC

Ontem, os sul-africanos foram as urnas para escolher um novo parlamento. O resultado oficial foi mais uma vitória do ANC com 63% dos votos enquanto o Democratic Alliance conquistou 22% dos mesmos. Isso garante o segundo mandato para o atual presidente Jacob Zuma. Mas o que está votação representa para a população.

Os sul-africanos querem uma grande melhoria em suas vidas como uma melhor infraestrutura, redução da desigualdade social além de uma economia forte. Desde do fim do regime racista Apartheid em 1994. O ANC tem vencidos os pleitos eleitorais com uma votação acima do 60% dos votos. Mas não tem conseguido fazer mudanças na sociedade.

O abismo entre africâners (descedentes de Europeus) e os de origem africana continua alto. A tentativa da aliança entre o Agang Party, liderado por Mamphela Ramphele e a Democratic Alliance, de Helen Zille foi uma esperança para acabar com esta hegemonia do ANC. Mas isto não deu certo. Isso favoreceu Zuma, que é contestado por escândalos de corrupção, mas continua popular.

O futuro do ANC é mostrar que pode fazer mais pela vida dos sul-africanos. Mas a luta interna no partido ainda continua. Por mais que Zuma tenha controle da máquina partidária e ter contido eventuais rebeliões como no caso de Julius Malema, que saiu por causa de desavenças com a direção do mesmo.

Jacob Zuma terá que mostrar que é um estadista que pode oferecer um projeto de nação para uma sociedade tão dividida quanto receosa. A união entre africâners e as outras etnias de origem africana é essencial para o futuro do país. Mas será que novo velho presidente pode ser capaz de fazer isto?

O dilema de Ramphele

A política sul-africana está vivendo o domínio da ANC desde do fim do regime segregacionista Apartheid. Mas as esperanças do povo estava nas mãos de Mamphela Ramphele, que criou um novo partido, o Agang. Tanto que o novo grupo político fez uma aliança com o Democratic Alliance, liderada por Helen Zille. Mas o acordo está em banho maria desde dos desentendimentos entre as lideres partidarias.

Zille e Ramphele fizeram um acordo histórico unindo a oposição contra a ANC. Mas os militantes de ambos os partidos ainda não engoliram a aliança de uma africâner como Zille com uma ativista dos direitos civis durante o apartheid como Mamphela. Ela foi a companheira do líder político e ativista assassinado Steve Biko.

Ramphele tem um dilema em fazer um acordo pragmático com a Democratic Alliance ou ficar com os seus ideiais solitários para poder derrotar a ANC. Os sul-africanos querem a mudança desejada pela líder do Agang, mas preferem o status quo imposto pelo popular presidente e lider da ANC Jacob Zuma, mesmo involvido em escândalos de corrupção.

Na segunda-feira, Ramphele negou que aliança foi desfeita. Mas ficou a sensação de desconforto na relação com Zille. Isso foi evidente nas declarações de ambas no domingo passado em notas oficias e mensagens no twitter. Os militantes querem derrotar a ANC. Mas de uma maneira legítima e com uma nova agenda para oferecer a desiludida população que sofre com o desemprego.

Ramphele e Zille terão de esquecer as rusgas do fim de semana para fortalecer a aliança Agang-Democratic Alliance contra a ANC. A sensatez de ambas as líderes fará que a África do Sul trilhe um novo caminho sem o ANC, que está no poder desde de 1994. Esse é o grande desafio de Mamphela Ramphele.