As memórias chilenas

Hoje, completa-se 50 anos do golpe militar no Chile onde o general Augusto Pinochet iniciou a ditadura mais violenta da América Latina. Meu amigo mexicano me mandou um texto de sua autoria pra explicar a data. O México foi um dos países que ofereceram apoio aos exilados chilenos por repudiar a queda do presidente Salvador Allende. Os direitos humanos foram respeitados por ordem do líder mexicano Echeverria em 1976.

A minha pessoal sobre isso começou em 2005 quando ganhei da minha professora de inglês um exemplar do livro Primeira Página, da Folha de s. paulo que tinha a capa do dia da queda de Allende. Os jornais brasileiros mandaram correspondentes para a cidade de Mendoza, na Argentina, que fica na fronteira com o Chile para reportar as informações vindas de Santiago onde a imprensa estrangeira foi barrada.

Isso em um momento onde a Argentina tinha a ascensão de Juan Domingo Peron em sua volta do exílio para assumir o comando do país. Os estudos recentes sobre o golpe militar em Santiago revelam a interferência brasileira por meio de financiamento ilegal de ações golpistas que foram relatadas em documentos de arquivos públicos americanos onde deixa claro a participação do ex-presidente americano Richard Nixon e de seu secretário de estado Henry Kissinger.

Pinochet pôs o golpe em marcha para a sua contrarrevolução econômica ao chamar os Chicago Boys como eram chamados os economistas chilenos que eram formados na Universidade de Chicago cuja as propostas econômicas foram adotadas por Pinochet como a previdência privada e a privatização da educação. Tanto que isso não é revertido até hoje por estar enraizado na sociedade chilena como a rejeição da nova constituição meses atrás.

Os chilenos querem que a memória do 11 de setembro seja preservada das tentativas de reescrever a história. Mas não aceitam uma ampla mudança de sua sociedade no campo econômico. Santiago lida com uma guerra cultural entre diferentes setores sociais onde os rumos do país estão em jogo. Isso nos mostra que o bombardeio do palácio de La Moneda ainda causa traumas em momentos como agora na capital chilena.

A memória do voo 007

Hoje completa-se 40 anos da queda do voo 007 da Korean Air que ia de Nova York a Seul passando por uma rota no Alasca. Tal jumbo 747 foi derrubado por um Mig soviético por um erro do comando de Moscou que pensava que tal avião fosse um espião dos americanos fazendo voos de monitoramento. Isso foi um dos momentos mais estranhos da guerra fria onde o presidente americano Ronald Reagan e o líder soviético Iuri Andropov tinha suas rusgas.

Mas o mundo queria evitar uma guerra atômica. Os alemães ocidentais faziam protestos contra a instalações de misseis nucleares americanos que seriam conhecidos como Euromisseis por fazer parte da estratégia da Otan de reforçar as defesas europeias em uma eventual invasão soviética. Isso incluía uma visita a Moscou do chanceler Helmut Kohl para desarmar os soviéticos por sua boa interlocução com os americanos.

Americanos e soviéticos estavam ser armando com arsenal nuclear. Isso foi discutido no telefilme O dia seguinte, da tv americana. Onde a desesperança de uma guerra atômica tomou de assalto a população americana sobre a militarização do espaço. Era os tempos onde Reagan queria implementar a estratégia de defesa conhecida como Guerra nas Estrelas com a construção de satélites como um escudo contra misseis intercontinentais de Moscou.

Hollywood começou a questionar tal militarismo em um outro filme como War Games onde um programa de computador responsável por organizar a resposta militar americana pode causar uma guerra atômica. Isso nos mostra como a sociedade estava prestes a lidar com a eclosão de um ataque nuclear. Tanto que a CNN estava com um vídeo para tal momento e a Rainha Elizabeth tinha gravado um pronunciamento sobre o assunto.

A loucura nuclear em 1983 nos fez pensar como poderíamos chegar em nossa autodestruição. Isso não é novo no Ocidente do Norte onde o medo de uma catástrofe atômica era palpável. Por isso que se tinha protestos contra a guerra fria em um gesto de mostrar que a população não queria um pesadelo atômico em seus pensamentos. O voo 007 da Korean air nos mostra como isso foi tão complicado nos idos de 1983.

Os duros dias em Munique

Em julho de 2000, eu tinha que fazer um trabalho de escola nas minhas férias falando sobre as olimpíadas. Durante a pesquisa na biblioteca municipal aqui em Pinda. Vi as edições especiais da finada Revista Época onde abordaram um dos momentos mais tenebrosos da história quando os terroristas palestinos mataram 11 atletas israelenses no aeroporto militar de Munique em uma desastrosa operação de resgate da polícia alemã.

Após o 5 de setembro de 1972. Israelenses e Alemães Ocidentais iniciaram uma busca para melhorar as operações de resgastes diante do crescente aumento do terrorismo nos anos 1970 que tinha um cárater anticolonial e exigia reparações contra os colonizados de países de terceiro mundo. Os sequestros de aviões comerciais eram rotina naquele momento e as somas de pagamentos eram feitos porque não se tinha uma forma de resgate por parte das forças de segurança.

Isso mudou em 1976 com a operação dos comandos antiterror das Forças de Defesa Israelenses que foram enviados ao aeroporto de Entebbe em Uganda onde resgataram os reféns do voo da Air France mostrando que era possível usar uma operação militar para tais eventos. O mesmo aconteceu em setembro de 1977 quando o GS9, uma força da polícia alemã foi a Mogadíscio para resgatar os passageiros da Lufthansa em uma ação autorizada pelo chanceler Helmut Schmidt.

As feridas do passado ainda não foram cicatrizadas até a semana passada. A Alemanha anunciou um acordo de pagamento de indenizações as famílias dos 11 atletas israelenses mortos na vila olímpica em 1972. Outro fato que ajudou a melhorar a situação é uma comissão de membros dos governos de Berlim e Tel Aviv que irão investigar os arquivos de Bonn sobre os eventos do 5 de setembro com fins acadêmicos.

Berlim ainda assumiu uma política de reconciliação com seu passado recente. Um dos representantes disso é o presidente Frank-Walter Steinmeier que já foi ministro de relações exteriores durante o governo da chanceler Angela Merkel e tem assumido a posição de porta-voz na questão dos direitos humanos e da reparação histórica. Isso mostra que ainda teremos longos duros dias como os de Munique em 1972.

Os jovens não entendem o Gorbatchov

Eu vi uns conhecidos na casa dos 20 e poucos anos fazendo nenhum elogio ao finado líder soviético Mikhail Gorbatchov por ter sido segundo suas palavras “um coveiro do socialismo soviético”. Pois bem, eles não viveram os tempos da Guerra Fria para justificar sua ojeriza.

Mas como explicar isso….

Ultimamente, a história tem sido usada como arma de reinvenções políticas e logo temos o fato da população mais jovem não aprendeu muita coisa sobre a Guerra Fria. É mais fácil culpar o neoliberalismo, consenso de Washington, globalização, Thatcher e Reagan pelo mal da humanidade.

E o Gorbatchov….

Gorbatchov foi o filho do degelo do comunismo soviético nos anos 1950 após a morte de Stalin. Ele teve que lidar com a geração dos idosos do Kremlin como Nikita Khruschev, Leonid Brejnev, Iuri Andropov e Konstantin Tchernenko. Quando chegou ao poder em 1985, começou um processo de reformas que foi impulsionado após o desastre da usina nuclear de Chernobyl em 1986.

As reformas fracassaram. Mas não podemos esquecer o velho homem e suas contradições…

A última dança em meio ao caos

Durante a Guerra Fria, o mundo viveu o medo de um holocausto nuclear caso americanos e soviéticos acionarem os misseis intercontinentais com ogivas atômicas. Isso se refletia na cultura como uma forma de desencanto com o aquele tempo onde víamos um submarino americano da classe Trident ou uma maleta soviética Kusback. Logo entendemos porque consumíamos muito filmes, músicas e livros onde se retratava o cenário de caos internacional e afins.

No Reino Unido, a adoção de um sistema de defesa nuclear por parte do governo britânico fez que a BBC autorizasse a exibição do programa Panorama, da BBC One, onde se discutia a resposta britânica a uma ameaça nuclear. Isso permitiu a emissora pública produzisse o filme Threads que no Brasil foi nomeado como Catástrofe Nuclear em uma histeria contra a adoção dos Euromísseis americanos em solo europeu em resposta a militarização do Leste Europeu naquele momento.

Nos Estados Unidos, Hollywood decidiu discutir o assunto em filmes como O dia seguinte onde retratava um ataque nuclear soviético em solo americano. O roteiro teve que ser modificado a pedido do Pentágono e a emissora ABC teve que exibir um debate sobre o programa nuclear americano. O impacto do filme foi enorme que permitiu o veto do sistema de defesa antimíssil conhecido Guerra nas Estrelas proposto pelo então presidente Ronald Reagan em 1985 que teve um ardoroso crítico como o cientista Carl Sagan por ser contra a militarização do espaço.

Na música, bandas como Midnight Oil faziam uma grande defesa de um mundo sem armas nucleares na Austrália de 1985 tendo o vocalista Peter Garreth como porta-voz da causa. Ele se candidatou ao senado australiano em 1983 pelo partido do desarmamento nuclear diante dos testes atômicos com a bomba de neutrons conduzido pelos franceses em seus territórios ultramarinos no oceano Pacífico como a Polinésia Francesa como uma forma de pressionar contra a corrida atômica.

Nos Reino Unido, bandas de Synthpop como Ultravox e Depeche mode fizeram músicas sobre aquele momento como Dancing in tears in my eyes e Master and servants respectivamente como uma forma de criticar o mundo em seu labirinto sobre usar uma arma atômica. Os escritores alemães fizeram protestos contra a instalação dos Euromísseis em solo alemão ocidental em 1983 onde foi a primeira manifestação contra o uso bélico do atômo. Essa foi a última dança em meio ao caos.